sexta-feira, 26 de abril de 2013

LAUDÊMIO, O QUE É EXATAMENTE?

Volta e meia, algum aluno me questiona acerca da cobrança do Laudêmio, sempre que acontece, me limito a esclarecer que não se trata de tributo, mas sim, de uma obrigação contratual advindo da enfiteuse administrativa.
Para esclarecer de um vez, estou colando abaixo, uma explicação bastante satisfatória e interessante.


O que é laudêmio?

Pelo fato dos terrenos de marinha e seus acrescidos estarem em evidência na mídia, quer seja pela emenda constitucional nº 46/2005, quer seja pelos aumentos nas cobranças das rendas patrimoniais que têm como fato gerador esses imóveis, praticadas pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), órgão responsável por administrar os bens da União, ou, ainda, sobre os apelos pela extinção do laudêmio, a palavra “LAUDÊMIO” tem sido utilizada constantemente para identificar um instituto amplo e complexo, disciplinado por lei.

Ouvem-se propostas de extinção do laudêmio, alguns alardeiam que se trata de um imposto do tempo do Império, secular, e que esse imposto é direcionado à antiga família real ou para os cofres da Marinha do Brasil. Questões essas, que chegam aos ouvidos da população e servem como combustível para um motor de revolta às cobranças, em especial dos contribuintes que residem em imóvel localizado em terreno de marinha e seus acrescidos, um dos vários bens que pertencem à União Federal.

Mas afinal, o que é laudêmio? Para responder a pergunta tema desta página é necessário fazermos um breve esclarecimento sobre o instituto da enfiteuse, também conhecido pelo nome de aforamento, pois o laudêmio advém desse instituto que é o mais amplo dos direitos reais sobre coisa alheia. Para que todos possam entender a enfiteuse, quando dizemos "todos" incluímos os que não são operadores do direito, citemos um simples contrato de locação de imóvel como exemplo para uma analogia. No contrato de locação de imóvel temos o "locador", proprietário, e o "locatário", pessoa que alugou o imóvel para fins residenciais ou comerciais, obrigando-se a pagar um aluguel àquele. No contrato de enfiteuse temos o "senhorio direto", proprietário, e o "enfiteuta" (ou "foreiro"), este pessoa que adquiriu o domínio útil do imóvel e se obrigou a pagar uma pensão anual (foro) àquele. Fazendo uma analogia entre os dois contratos, no de locação o prazo é determinado, no de enfiteuse é perpétuo, no de locação o locatário não pode alienar (vender) os direitos que exerce sobre a propriedade, já no de enfiteuse o enfiteuta pode alienar o domínio útil do imóvel.

À vista da analogia acima feita entre os dois contratos, observamos que o enfiteuta pode alienar os seus direitos porque adquiri uma parte do domínio do imóvel chamada de útil, que significa, de forma simplória, o direito de usufruir o imóvel do modo mais completo. O senhorio direto conserva uma outra parte para si do imóvel denominada domínio direto. Pois bem, unindo-se o domínio direto com o útil temos o domínio pleno, que é exatamente o tipo de domínio que permanece com o locador no contrato de locação.

A partir deste ponto, deixemos de lado o contrato de locação. Pois bem, para o enfiteuta alienar o seu domínio útil deverá primeiramente consultar o senhorio direto, pois este tem preferência na compra. Uma vez que o senhorio declina no seu direito de preferência e deixa de consolidar o domínio pleno do imóvel em suas mãos, surge a obrigação do enfiteuta de pagar o LAUDÊMIO. O mesmo é devido somente nas transações onerosas, portanto, nas transações não onerosas inexiste a obrigação do pagamento de laudêmio. Os foreiros ou ocupantes de imóvel da União com renda familiar inferior ou igual a cinco salários mínimos, podem requerer a isenção do pagamento.

A enfiteuse é instituída sobre bens públicos e particulares. Os bens públicos da União Federal, como os terrenos de marinha e seus acrescidos, são regidos por uma legislação administrativa especial, que determina ser o laudêmio equivalente ao percentual de 5% sobre o valor atualizado do domínio pleno do terreno, incluindo as benfeitorias nele existentes. Os bens particulares, da Igreja e os pertencentes às outras pessoas jurídicas de direito público interno (Município, Estado) são regidos pelo Código Civil, que determina ser o laudêmio equivalente ao percentual de 2,5% sobre o valor da transação, se outro não tiver sido fixado no título de aforamento. O alienante é o responsável pelo pagamento do laudêmio, salvo acordo das partes em sentido contrário.

Observe que no caso dos imóveis da União, o senhorio direto é a própria União que ainda retém uma pequena fração do domínio útil. Na enfiteuse aplicada aos bens particulares é o próprio particular proprietário da terra que a enfiteutica e assim por diante. O ocupante de terra da União também paga o laudêmio na cessão dos seus direitos de ocupação, neste caso não há um contrato de aforamento, mas, sim, uma autorização de ocupação onde não há o desmembramento de domínio do imóvel em útil e direto, o domínio pleno permanece com a União, como vimos acima numa analogia com o contrato de locação.

Dissemos que a enfiteuse é instituída sobre bens particulares. Na realidade, podia ser instituída sobre esses bens e outros regidos pela legislação civil até a entrada em vigor do Código Civil de 2002, que proibiu a constituição de novas enfiteuses, mas manteve as já existentes com a disciplina e os mecanimos de extinção do Código Civil de 1916.

No contexto da enfiteuse administrativa (bens da União), sintetizando o até aqui apresentado, o proprietário do imóvel é a União Federal que detém o domínio pleno sobre o bem. Ao atribuir a maior porção do domínio útil do imóvel a outrem, este passa a se chamar enfiteuta ou foreiro, e a União, agora no papel do senhorio direto, deixa de ter o domínio pleno e passa a exercer o domínio direto sobre o bem. O foreiro goza de diversos direitos inerentes à propriedade, inclusive o direito de alienação do domínio útil. Porém, para exercer esse direito específico deverá pagar o laudêmio ao senhorio direto.

Emenda Constitucional nº 46, de 2005

A Emenda Constitucional nº 46, de 2005, modificou o inciso IV, do artigo 20, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Vejamos a íntegra do referido artigo:

"Art. 20. São bens da União:
I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;
II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;
III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;
IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as áreas referidas no art. 26, II;
IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005)
V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;
VI - o mar territorial;
VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;
VIII - os potenciais de energia hidráulica;
IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;
X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos;
XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
§ 1º - É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.
§ 2º - A faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei."

Imposto do tempo do império?

O laudêmio não é tributo, portanto, não é imposto. Trata-se de uma contraprestação pecuniária em que se obrigou o particular (foreiro) quando firmou o contrato de enfiteuse com o proprietário (senhorio direto) do imóvel. A obrigação não nasce diretamente da lei como no caso do tributo, tem origem numa relação contratual. O mesmo diga-se do ocupante de terra que foi autorizado a ocupar.

Quanto ao laudêmio ser ou não do tempo do império, não, o laudêmio não é do tempo do Império Brasileiro no sentido de origem, é bem mais antigo. Assustou-se? Não se assuste, a principal fonte do nosso direito contemporâneo é o Direito Romano. A venda e compra, a locação, a hipoteca, o penhor, a servidão, o condomínio, todos os citados tiveram a sua origem na antiga Roma, cujo direito ganhou sua codificação por obra de um Imperador chamado Justiniano, inclusive a enfiteuse e, por conseguinte, o laudêmio.

A enfiteuse esteve presente na Idade Média com o feudalismo, ganhando novas feições. No Brasil, desde o seu descobrimento por Portugal, aplicou-se o direito português contido nas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, códigos de leis com raízes no Direito Romano, mas também com grande influência da legislação que era aplicada aos feudos, principalmente no que concerne a enfiteuse. Os nomes emprezamento e aforamento vieram de Portugal. Após a independência do Brasil, o direito brasileiro foi ganhando contornos próprios mas a sua estrutura até os dias atuais é baseada no Direito Romano.

Se focarmos nos terrenos de marinha, o primeiro aforamento dessa espécie de bem se deu no início do século XIX, ainda no período colonial brasileiro.

Destino das receitas arrecadadas

No caso dos terrenos de marinha e seus acrescidos o laudêmio arrecadado tem como destino os cofres da União. Obviamente, sendo o Município o proprietário da terra objeto do contrato de enfiteuse, para os cofres do Município será destinada a receita patrimonial. Portanto, o laudêmio não é uma receita destinada à antiga família real, na realidade, a mesma é proprietária de uma pequena porção de terras localizadas no Estado do Rio de Janeiro que foram enfiteuticadas, por conseguinte, o laudêmio que tem como fato gerador a transferência onerosa dessas terras será pago aos descendentes da antiga família real.

Não, o laudêmio não vai para os cofres da Marinha do Brasil. Importante prestar atenção na preposição "de", os terrenos "de" marinha são uma espécie de bem pertencente à União, seu conceito está presente no Decreto-lei 9.760/1946, nada tem a ver com a Marinha de Guerra do Brasil.

ENTENDA O QUE É LAUDÊMIO. Desenvolvido por Rodrigo Marcos Antonio Rodrigues. Esclarecimentos sobre a cobrança de laudêmio. Disponível em: http://www.laudemio.com.br

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